HISTORIA DA BAIA DE GUANABARA

A Baía de Guanabara é dos símbolos mais fortes da cidade do Rio de Janeiro. Desde a chegada dos primeiros europeus, sua paisagem e sua natureza foram descritas pelo olhar dos escrivães das frotas, dos viajantes, dos cronistas, dos pintores, dos poetas, dos estudiosos – famosos ou anônimos.
Em 1502, o navegador Américo Vespúcio (1454-1512) assim se referiu às terras que a expedição exploradora alcançou – incluindo a Baía de Guanabara: “Digo que é terra muito amena, e temperada e sã porque daquele tempo que andamos por ela, que foram dez meses, não só nenhum de nós morreu, mas poucos adoeceram”.
O religioso espanhol José de Anchieta (1534-1597), em uma de suas cartas, registrou: “É a mais fértil e viçosa terra que há no Brasil”. O pensador francês Saint-Hillaire (1779-1853) constatou: “Quem seria capaz de descrever as belezas que apresenta a baía do Rio de Janeiro, esse porto que, na opinião de um dos nossos almirantes mais instruídos, poderia conter todos os navios da Europa?”.
O reconhecimento da sua importância começou muito antes de o Rio ser o Rio e da chegada da frota cabralina. Por séculos, desde a presença dos povos construtores dos sambaquis até as populações indígenas encontradas pelos primeiros europeus que alcançaram a região, o ecossistema da Baía de Guanabara e seu entorno foi objeto de disputas entre populações rivais que dele retiravam o seu sustento.
Os navegadores europeus que, viajando pelo mar afora com as suas caravelas de descobrir, alcançaram a Baía de Guanabara em busca de riquezas logo perceberam que aquelas águas calmas e seguras possuíam um importante valor estratégico, tanto no suporte à navegação ao longo do litoral como para o acesso ao interior. Inúmeras anotações e desenhos detalharam, nos mapas e nas cartas do século XV e dos seguintes, essas informações. Consta que, observando esses aspectos, em 1553, o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa(1503-1579), propôs que se erguesse no entorno da Baía de Guanabara uma “povoação honrada e boa”. Objetivava que se interrompesse o comércio frequente entre estrangeiros – especialmente franceses, que não reconheciam a soberania da Coroa portuguesa sobre as terras americanas – e os nativos que habitavam as aldeias nas redondezas da baía.
Outras pesquisas realizadas por geógrafos e geólogos concluíram que, há milhares de anos, o nível do mar estava em torno de 130 metros abaixo do atual.  Nessa época, portanto, em grande parte da plataforma continental hoje submersa, existiam restingas, falésias e dunas onde vivia uma exuberante megafauna, composta por animais como mastodontes, tigres-dentesde-sabre, tatus gigantes, megatérios e preguiças que chegavam a ter mais de seis metros.  A causa do desaparecimento desses animais ainda é incerta: pode ter sido pela falta de alimento decorrente da era glacial ou por não haverem sobrevivido ao afogamento marinho que fez as águas do oceano Atlântico inundarem toda a zona costeira da plataforma continental. De todo modo, sabe-se que foi com esse evento de inundação, ocorrido há cerca de 12 mil anos, que nasceu a baía de Guanabara. 
A história, entretanto, poderia ter seguido outro rumo? O homem, que durante todo esse tempo se sentia o centro do mundo, embriagado pela capacidade de expansão de suas conquistas territoriais e por sua capacidade de acumular riquezas, poderia ter mudado de trajetória ou ter sido substituído por um outro ser, mais preocupado com a harmonia do Universo? Não havia ainda percebido que a natureza sobre a qual avançava para ajustá-la à sua visão de mundo era, na realidade, um sistema complexo, frágil e diversificado cujo equilíbrio, ao ser irremediavelmente rompido, poderia acarretar enormes prejuízos aos sistemas produtivos e, principalmente, sérias ameaças à sua própria sobrevivência?

O homem dominador se impunha sobre a natureza, mas é importante lembrar que, apesar de circunscritas a pequenos grupos de cientistas e estudiosos, algumas questões relacionadas ao desequilíbrio do meio ambi- ente já vinham, há séculos, sendo estudadas. Considera-se que Teofrasto de Éfeso, morto em 287 AEC (Antes da Era Comum), sucessor imediato de Aristóteles, teria sido o primeiro ser humano a se preocupar com a ecologia, embora essa palavra só viesse a ser utilizada após cerca de 1.600 anos. Foi ele quem descreveu as relações dos organismos entre si e deles com o meio.

Sim, vale a pena dedicar atenção à baía de Guanabara. Mesmo tendo sofrido inúmeras agressões decorrentes do processo de colonização e de urbanização iniciado no século XVI, ela resiste bravamente. Ainda mantendo a majestade, consegue ser generosa o suficiente para cumprir seu papel de abrigar o segundo mais importante porto do país, base de atividades econômicas que geram trabalho e renda para a população fluminense. Mantendo-se viva, vem exercendo a função de criadouro de fauna e flora marinhas, responsável por prover muitas famílias de pescadores que vivem nas suas margens. E ainda, democraticamente, oferece alguns recantos de sua paisagem a todos os que queiram descansar à sombra de uma árvore e tomar sol em suas praias. São muitas as razões que fazem da baía de Guanabara muito mais do que um mero acidente geográfico com o qual convivemos indiferentes, sem perceber que ela, como um corpo vivo e pulsante, está adoecendo, aos poucos perde seu encanto e pode fenecer.

É importante conhecer melhor esse lugar, revi- ver sua história, entender como são complexos e fascinantes os mecanismos de funcionamento da natureza, porque esse lugar, essa história e esse ambiente determinam a vida e o futuro das pessoas que ali moram e trabalham. A baía reflete as condições de vida da sociedade instalada à sua volta. Lutar para que ela volte a ser brilhante, luminosa e cheia de vida significa, portanto, investir no nosso amanhã.


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